Segmentar significa, num primeiro momento, sacrificar ganhos de escala. Se o item é voltado para um grupo específico, o volume da produção se reduz e os custos aumentam. Em mercados como o brasileiro, o chinês ou o indiano, contudo, mesmo quando um produto se destina a determinado nicho, seu alcance é grande. A Nestlé criou, em 2005, um leite em pó exclusivamente para o Nordeste, ao qual adicionou vitaminas que são deficientes na alimentação local, e ainda o embalou em saco plástico, para baixar o preço. Com tais ajustes, já vende nessa única região brasileira quantidade de leite em pó equivalente à que consome a população inteira de um país como o México. "Criar e adaptar produtos para atender às demandas de um país torna-se interessante quando ele oferece um mercado consumidor de tamanho razoável e que dá sinais de efervescência", diz Eugenio Foganholo, diretor de uma consultoria especializada em varejo.
Boa parte das adaptações feitas em países mais pobres, como o Brasil, tem como prioridade tornar esses produtos acessíveis a pessoas com poder aquisitivo menor. É o que se observa no exemplo do leite em pó, mas também na decisão dos fabricantes de chocolate de substituir manteiga de cacau por gordura vegetal, o que significou um corte de 50% no preço final das barras brasileiras, ou na aposta da indústria no velho sabonete em barra, em detrimento das versões líquidas, que dominam o mercado na Europa e nos Estados Unidos. O que ocorre hoje no Brasil, no entanto, é uma verdadeira ampliação no rol de adaptações.
Adaptar um produto custa caro e é muito trabalhoso – uma verdadeira operação de guerra. A depender do tipo de modificação, setores que vão do laboratório ao departamento de marketing se envolvem no processo. Eis o que aconteceu, por exemplo, quando a Procter & Gamble decidiu lançar, neste ano, uma nova pasta de dentes no Brasil. Ainda que a fórmula fosse bastante semelhante à de outras pastas já criadas pela empresa, só nessa foi preciso investir algo como 100 milhões de dólares e três anos de trabalho, período em que se realizaram nada menos do que quinze pesquisas com 5 000 consumidores para desbravar, entre outras coisas, hábitos de escovação e a predileção por sabores. Foram criadas ainda cinquenta embalagens, para se escolher apenas uma.
Esse tipo de investimento leva de três a cinco anos para ser recuperado. Se as escolhas são acertadas, o retorno é alto. "Nossas vendas quadruplicaram depois que fizemos ajustes nos chocolates vendidos no mercado brasileiro", diz a gerente de marketing da americana Hershey’s no Brasil, Renata Vieira. Em 2001, com os tabletes importados encalhando nas prateleiras, a Hershey’s não teve alternativa senão construir uma fábrica para atender a uma exigência local: os brasileiros desaprovavam a barra individual, por considerá-la grande demais. O peso, de 70 gramas, havia sido calculado para atender à demanda dos americanos. Para fabricar os atuais tabletes de 25 gramas no Brasil, foi necessário montar uma linha de produção inteiramente diferente. À receita original, adicionaram-se ainda açúcar e cacau nacional, que, ao contrário do americano, deixa um leve gosto de queimado. Era o que queriam os brasileiros, segundo apontavam as pesquisas. Curiosamente, o mesmo chocolate sofreu mutação contrária na China. Ali, a Hershey’s reduziu o açúcar para ajustar-se a um paladar que preza mais o salgado.
Existe o consenso de que em poucos países o desafio da adaptação é tão complexo quanto no Brasil. "Em nenhum dos 175 países em que atuamos é preciso segmentar tanto os produtos", diz Juliana Sztrajtman, gerente de marketing da Johnson & Johnson no Brasil. Isso porque não há algo como um perfil único do consumidor brasileiro. Além das disparidades de renda, é preciso levar em conta os hábitos regionais e a diversidade do clima – coisa que não se vê, por exemplo, em países menores e culturalmente mais homogêneos. No Brasil, até o paladar varia de uma região para outra. Assim, a Nestlé se viu obrigada a inventar três versões de café solúvel – mais concentrado no Sul, intermediário no Sudeste e suave no Nordeste. Em razão de sua diversidade racial, o Brasil ainda reúne dezenas de tipos físicos. Para uma empresa como a L’Oréal, a maior do mundo no setor de produtos de beleza, isso significa produzir uma variedade quatro vezes maior de xampus e condicionadores do que em outros países. Só para cabelos cacheados, há cinco variações. "É tão difícil criar produtos para o mercado brasileiro que, se eles dão certo aqui, têm grande chance de fazer sucesso em outros lugares", diz o francês Olivier Blayac, diretor de desenvolvimento da empresa na América Latina.
Fonte :deacon